Anderson Benelli
É muito comum ouvirmos educadores(as) e pais dizerem que a escola – e com escola quero dizer os seres humanos que a compõem e a cidade, uma vez que ela não é feita de concreto e sim dos seres humanos que formam essa sociedade - é nossa segunda casa e, por isso, devemos respeitá-la. Mas que casa é essa onde a palavra de ordem é não? Onde educandos(as) não podem exercer o seu direito a palavra e nem fazer nada no qual se reconhecem?
Os(As) educandos(as) não se reconhecem na escola, porque a escola ainda não se reconhece como parte da comunidade que está inserida. Se o museu é o mundo como diz o artista brasileiro Hélio Oiticica, a escola também o é. E é no mundo que se faz o processo de ensino/aprendizagem. Aprendemos em contato com o mundo e com o outro, como bem disse Paulo Freire.
Durante o debate “Além dos muros da escola que ocorreu no Terreiro Eu sou a Rua na 29ª Bienal de São Paulo”, uma educadora disse que a escola é desestimulante para os(as) alunos(as) por três fatores: é todo dia, é obrigatória e é um espaço coletivo. Por ser uma atividade rotineira em um espaço coletivo eu não posso expressar minha identidade como indivíduo? Isso não parece o suficiente para justificar o desinteresse de grande parte dos(as) educandos(as), já que durante toda vida convivemos coletivamente cumprindo com obrigações rotineiras. O ser humano chega ao mundo já inserido em uma pequena sociedade, a família. Depois vem o convívio com irmãos, parentes, amigos, desafetos, etc. Ou seja, obrigatoriamente vivemos todos os dias coletivamente e nem por isso a vida é desestimulante, a não ser que o indivíduo esteja sofrendo de desesperança e/ou depressão. A escola é o lugar onde fazemos novas amizades, lugar de encontros com colegas, amigos(as), namoradas(os). Como um lugar que proporciona tantas experiências
e encontros interessantes pode ser tão desestimulante?
Infelizmente, muitas escolas ainda não se reconhecem como parte da comunidade, automaticamente, a comunidade não se reconhece na escola e, consequentemente, os(as) educandos(as) como indivíduos dessa comunidade também não. Ao que parece, os maiores responsáveis por esse ambiente opressivo em sala de aula que afasta os(as) educandos(as) são: o currículo, o projeto pedagógico e a metodologia de ensino de alguns professores, dos quais muitos também foram vítimas de um ensino/aprendizagem opressor. E exatamente por isso, uma parte considerável deles não tem consciência crítica desse fato. E por sofrerem com uma educação “bancária”, tratados como recipientes vazios a receberem conhecimento como depósito, acabam ensinando como aprenderam.
Essa educação não interessa ao povo. Além de não estimular a reflexão, faz o oposto: a inibe, reprimindo a autonomia e a rebeldia, qualidades de valor imensurável no engajamento por mudanças. Essa educação resulta na preservação da hierarquia social. Porque “caminhos permitidos são rotas de escravidão e caminhos proibidos são rotas de libertação” (Fora de Frequência, 2010.), se repudia a rebeldia que estimula a autonomia e consciência crítica. Ou seja, essa educação “bancária” defende os interesses da classe dominante, inibindo a reflexão, a consciência crítica da realidade, a autonomia, o exercício da palavra dos oprimidos. Com isso, forma-se um povo domesticado, o que facilita a manipulação da opinião pública e a distorção da realidade social. Evita-se assim, que o povo enxergue as injustiças sociais e se rebele na luta por transformações contra um sistema social escravocrata.
Os muros que isolam a escola são muito mais que barreiras físicas, o muro físico é insignificante perto dos muros que muitos não conseguem ver, a escola ainda é uma instituição de controle onde indivíduos entram diferentes para saírem iguais. A igualdade que nós educadores(as) devemos buscar é a igualdade heterogênea, ou seja, a igualdade de respeito mútuo das diversidades e não a igualdade de cultura homogênea. Como atender as necessidades das diversidades culturais dos(as) educandos(as) e tornar o ensino/aprendizagem mais significativo?
Precisamos ter como conteúdo de ensino o foco de interesse dos(as) educandos(as) em uma abordagem interdisciplinar e intercultural. O grande problema nesse sentido é que parte dos(as) professores(as) ainda temem as manifestações culturais de interesse dos jovens por terem sido ensinados a temerem a rebeldia e subversão. As manifestações juvenis, normalmente, são carregadas dessas duas qualidades, o que reforça a necessidade de serem exploradas. Pois, essas são qualidades indispensáveis para um ensino/aprendizagem que valoriza a autonomia e consciência crítica dos(as) educandos(as). Como citou Paulo Freire “está errada a educação que não reconhece na justa raiva, na raiva que protesta contra as injustiças, contra a deslealdade, contra o desamor, contra a exploração e a violência um papel altamente formador”.
Por que a rua atrai mais do que a escola?
Os(As) educandos(as) esperam da escola que ela seja um território de liberdade, essa expectativa aumenta quando o(a) aluno(a) também se sente oprimido em casa, e a escola deve ser esse território de liberdade. Porém, é importante que não confundamos liberdade com algazarra, a escola temendo a segunda se torna o oposto, um lugar de repressão.
A rua permite que o sujeito exercite sua autonomia resolvendo conflitos, vivenciando diversas experiências em contato com o outro e com a realidade com que se identifica e, através de diferentes manifestações exerça sua palavra e, consequentemente, seu direito de “ser mais”. Ou seja, a rua se torna esse território de liberdade onde o indivíduo pode fazer suas próprias escolhas com as quais se identifica, rebelando-se contra os dogmas instituídos por um sistema social opressor, o indivíduo se sente livre ou pelo menos se libertando.
Mas, como fazer da escola um território de liberdade?
É preciso eliminar as fronteiras entre a rua e a escola, entre a realidade e a educação. Os(As) educadores(as) precisam tomar como temas de seus projetos pedagógicos o foco de interesse dos(as) educandos(as). A rua os atrai mais do que a escola porque essa propicia o contato direto com esses temas e com a realidade.
É contraditório se pararmos para pensar que os círculos de cultura filosóficos de Sócrates e seus companheiros foram a base referencial da academia, já que essa, parece fazer o oposto em sua proposta. Enquanto nos círculos filosóficos que geravam debates conceituais sobre a condição humana no mundo e em convívio com o outro, onde todos ouviam e exercitavam a palavra.
Nas escolas as carteiras são dispostas em fila com olhar dos(as) alunos(as) em direção ao mestre que, como um santo em um altar descarrega seu sermão que não deve ser interrompido pelos fiéis, deve ser ouvido sem questionamento porque o que ele diz é a verdade divina.
Nós educadores(as) precisamos repensar nossa prática de ensino/aprendizagem e nos apropriarmos das novas tecnologias, da rua e da realidade. E, a partir dos focos de interesse dos(as) educandos(as), problematizar nossa condição social no mundo com o outro, derrubando as fronteiras entre educação e realidade, escola e comunidade, educadores(as) e educandos(as). Assim, conseguiremos fazer do processo de ensino/aprendizagem algo realmente significativo, tanto para educandos(as) quanto para educadores(as), transformando a escola em um lugar de pertencimento, não só do educando(a) mas, de toda comunidade, formando sujeitos conscientes e engajados em busca de mudanças e melhores condições sociais para todos.