Começa a temporada de observação de baleias francas em Santa Catarina
Setembro e outubro são os melhores meses para observar baleias com filhotes no litoral sul de Santa Catarina. Nessa época, a cada ano, as baleias francas vindas da Antártida para dar a luz nas enseadas de águas claras da costa brasileira já pariram, os bebês têm entre um e três meses de idade e se exibem, sempre com as mães em volta, nos primeiros saltos e brincadeiras. Com sorte e paciência, é possível ver esses mamíferos gigantes de perto, a poucos metros ou centímetros de distância, nos passeios embarcados para turistas organizados pelo Instituto Baleia Franca (IBF) e operadora Turismo Vida Sol e Mar.

É mais uma aventura do que uma contemplação, disponível de julho a novembro para crianças a partir de seis anos e para adultos de qualquer preparo físico. A embarcação ganha velocidade (o bote para 20 passageiros e tripulação conta com dois motores de 115 HP) e, quando os motores são desligados a 100 m das baleias, o grupo fica flutuando no movimento das ondas. A chuva não atrapalha, mas se os ventos forem intensos, o passeio é suspenso, por questões de segurança. Para evitar enjôos, os atendentes do IBF, na sede em Garopaba, cidade a 80 km ao sul de Florianópolis, oferecem comprimidos de Dramin.

Na última sexta-feira (17), a aposentada Ana Maria Paraíso da Silva, que mora em Volta Redonda (RJ), viu baleias de perto pela segunda vez. A primeira foi em Orlando, na Flórida (EUA), no show das orcas do Sea World, quando ela teve a companhia dos netos e ficou bastante emocionada. A segunda vez, na Guarda do Embaú, em alto mar, foi uma experiência mais radical. “Nem dá pra descrever, ver aquele bichinho permanecendo pertinho do barco”, ela diz. “Ver a natureza assim dá esperança pro planeta”.

Os “bichinhos” avistados na embarcação do IBF são da espécie Eubalaena australis, a baleia franca austral, que podem atingir de 12 a 15 m de comprimento e 40 toneladas de peso. O filhotão nasce com 4 m. Nos primeiros minutos de vida, ele ainda não sabe usar direito os pulmões e a mãe precisa suspendê-lo com uma das nadadeiras peitorais para a respiração fora da água. A baleia faz força para levantar um filhote de quatro toneladas, peso equivalente ao de dois automóveis.

“Quem cuida é só a mãe”, afirma Mônica Pontalti, bióloga que coordena a equipe de pesquisadores do IBF. Os machos seguem as fêmeas para copular e depois se afastam. A bióloga ressalta que os cuidados maternos são extremos porque a dependência do filhote é total: ele precisa mamar por um ano, cerca de 200 litros por dia, um leite gorduroso que jorra das glândulas mamárias na direção da boca do filhote.

As francas não têm dentes, só barbatanas. Quando sente fome, a baleiazinha bate a cabeça na barriga da mãe. Quando o filhote ganha agilidade e se afasta, diz Mônica, a mãe bate forte as nadadeiras para repreendê-lo, como quem diz “lá não!”. Dá para observar a preocupação das fêmeas com os recém-nascidos em relação ao barco com turistas: as baleias formam uma muralha móvel com o corpo, nadando lentamente, impedindo o contato. À medida em que vão crescendo, os bebês se aproximam do barco, sempre com as mães no encalço.

Os passeios embarcados em Santa Catarina, diários, se as condições climáticas permitem, são realizados desde 1998 por iniciativa de um argentino que imigrou para o Brasil, Enrique Litman. Dono do ecoresort Vida Sol e Mar na praia do Rosa, o empresário buscou na Península Valdez, outra região de reprodução da espécie franca no hemisfério sul, o conhecimento para a atividade do “whale watching”.

Às 7h do último domingo (19), ele vestia a roupa de neoprene dos surfistas para ajudar o capitão Denis Carlos dos Santos e o biólogo Douglas Prinzler a empurrar o barco até o mar, na orla de Garopaba. Um barco novo, para 60 passageiros, deve ser inaugurado em breve. Segundo Litman, a temporada de 2009 registrou cerca de 1.500 turistas nos passeios embarcados do IBF, sendo que pela primeira vez, em 10 anos, o número de brasileiros superou o de estrangeiros.

Em Santa Catarina, a caça às baleias foi encerrada em 1973 e está proibida por lei, no Brasil, desde 1987. Elas foram exterminadas ao longo de décadas, na costa brasileira, e parte desta história de matança, com arpões, canhões e tanques para transformar a gordura dos mamíferos em óleo pode ser conhecida no Museu da Baleia, em Imbituba, mantido pelo Projeto Baleia Franca, outra instituição que monitora o comportamento dos cetáceos. A Área de Proteção Ambiental (APA) da Baleia Franca foi criada em 2000, abrangendo 130 km de costa, do sul de Florianópolis até o balneário de Rincão, no Rio Grande do Sul.

O capitão do barco do IBF, por exemplo, é filho de pescador que caçava baleias. O próprio nome em inglês da franca, right whale, significa que se tratava da espécie “certa” para caçar, devido a características como curiosidade e docilidade, que fazem estas baleias se aproximarem sem medo dos seres humanos. Surfista de longa data, Denis dos Santos conduz turistas para observar os mamíferos em alto mar há nove anos. “Hoje o nome da franca significa que ela é a baleia certa para ser observada porque interage com a embarcação”, diz a bióloga Monica Pontalti.

Em alto mar, a aproximação tem a solenidade dos grandes eventos e é quase sempre silenciosa. A tripulação desliga os motores e pede que os passageiros não batam os pés no fundo do barco. De uma hora para outra, uma, duas, quatro ou seis baleias começam a se aproximar lentamente, submergindo, mostrando o esguicho e as calosidades da cabeça, roçando as laterais do barco, por vezes dando um banho nos passageiros com movimentos bruscos das nadadeiras dorsal e caudal, esta com 4 metros de envergadura.

Os saltos são conferidos à distância, eventualmente com a fêmea e o filhote em sincronia, porque os bebês repetem os movimentos maternos. Parece diversão, mas é um aprendizado bastante sério. O filhote precisa ganhar força e desenvolver a musculatura a fim de enfrentar a monumental jornada de volta para o Pólo Sul. Uma viagem de milhares de quilômetros com risco de tormentas, predadores, navios, redes de pesca e encalhes pelo caminho.

O show do berçário natural é tão impressionante que vale a pena vir de longe para ver, como fizeram o médico Antonio de Pádua e família, moradores de Fortaleza (CE), no último domingo. Eles se instalaram em Florianópolis e chegaram cedo a Garopaba, para o primeiro dos quatro passeios embarcados do dia. De segunda a sexta, o custo por pessoa é de R$ 90, e de R$ 140 nos sábados, domingos e feriados.
O IBF proporciona também uma palestra em que os biólogos explicam o comportamento das baleias e relatam experiências recentes. Nesta temporada, pela primeira vez em anos, eles conseguiram coletar fezes de um filhote e acompanhar de perto uma cópula. Em geral, cada fêmea é envolvida por vários machos ao mesmo tempo, uma imagem que já provocou risos entre as passageiras, quando relatada no passeio.

No acasalamento, a fêmea fica por cima. Ela é maior e mais pesada. O macho submerge, gira o eixo do corpo e, face contra face, introduz o pênis na cavidade vaginal. Segundo os biólogos, que observaram os detalhes graças às águas cristalinas do litoral catarinense, o pênis tem cerca de um metro e meio de comprimento. “A cópula é exaustiva para a fêmea”, diz Mônica Pontalti.

Para descansar do assédio, a baleia flutua de barriga para cima. O parto, a amamentação, os meses de treinamento do filhote para a sobrevivência e o jejum prolongado (elas se alimentam somente na Antártida dos crustáceos chamados krill) também exaurem a baleia, tanto que as mães recentes só terão energia para retornar ao sul do Brasil daqui a três anos.

Elas têm retornado regularmente, como evidenciam os números expressivos de cada temporada. Em setembro de 2008, um sobrevôo contabilizou 156 baleias francas no Sul do país. Em 28 de agosto deste ano, o IBF, também com ajuda de pesquisadores em helicóptero, registrou 57 baleias, quantidade que já dobrou no final de setembro e deve aumentar em outubro, com os nascimentos. Muitas perguntas sobre o comportamento dos curiosos cetáceos permanecem sem resposta no fundo do mar.

Elas são atraídas pelos cheiros, pelos sons ou pelas cores fortes (amarelo e laranja) da embarcação? Será que elas entendem que os gritos no barco são de alegria pela aproximação, mais do que de medo? Mas já existem vários relatos de pesquisadores das francas austrais e boreais (as do Hemisfério Norte) informando que o GPS interno da fêmea grávida tenta devolvê-la para um lugar especialíssimo dos oceanos, para o ponto exato onde elas próprias nasceram. E de onde, possivelmente, guardam boas lembranças, de cuidado intenso e convivência com a mãe na primeira infância. São mamíferos, como nós.
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24/09/2010 - Notícias
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